Conta uma lenda amazônica que um importante guerreiro chamado Piri piri, reconhecido pela sua audácia e força no campo de batalha, era constantemente assediado pelas moças da tribo por sua beleza e seu cheiro inebriante.
Piri-piri, para se livrar de tanto assédio, resolveu aprender a arte da magia com o pajé da tribo, Supi, passando então a conjurar o feitiço do desaparecimento, transformando-se em fumaça a cada vez que era importunado.
Um tempo depois, a filha desse mesmo pajé se encantou por Piri-Piri e pediu ao seu pai que lhe ensinasse um feitiço para conquistar o coração do jovem guerreiro e impedisse seu desaparecimento. O pajé então lhe disse para amarrar seus cabelos ao redor dos pés de Piri Piri e permanecer desperta até o raiar do dia. Porém, o cansaço venceu a moça e ela adormeceu. Piri piri aproveitou aquele momento para se transformar em fumaça, só que dessa vez desaparecendo para sempre.
Ao despertar, a jovem moça viu que seus cabelos estavam atados, não mais ao seu amado, mas a uma planta parecida com capim e cujas raízes exalavam o cheiro inebriante do jovem guerreiro.
O pajé contou às moças da tribo, desoladas, que Piri piri havia subido aos céus e se transformado em Arapari, a constelação do Cruzeiro do Sul.
A partir de então, as moças da tribo passaram a se banhar e a lavar os cabelos com uma infusão daquela planta para conquistar os homens da aldeia. Em homenagem ao guerreiro desaparecido, a planta recebeu o nome de priprioca, que significa casa (oca) de Piri Piri.
Nativa mas não endêmica da floresta amazônica, a priprioca é parente do junco e do papiro. Ela se reproduz com facilidade por vastidões de solo úmido ou alagadiço e libera de suas raízes um delicado e encantador perfume.
Atualmente, a priprioca, cujo nome científico é Cyperus articulatus, é uma das plantas aromáticas mais comercializadas na região norte, sendo utilizada pelos povos amazônicos para compor banhos aromáticos, colônias, sabonetes, sachês aromatizantes, etc.
O óleo essencial das raízes da espécie C. articulatus L tem um cheiro delicado, amadeirado, terroso, levemente floral e picante, além de ser também um excelente fixador.
Sobre seu interesse em perfumaria, o perfumista Michel Roudnitska nos diz :
“ A priprioca me interessou primeiramente pelo seu cheiro amadeirado quente e terroso único, uma verdadeira nota de fundo que confere profundidade a qualquer perfume que a contém. Aprendi depois que se tratava de uma planta sagrada, utilizada como filtro de amor para os casais, já que os casamentos são contumazmente arranjados entre as famílias. De fato, pude constatar o impacto afetivo e quase aditivo que ela podia ter nos perfumes que criei.”
Os juncos de priprioca e suas pequenas inflorescências nada tem de ornamental. Porém, por detrás dessa aparente banalidade, parece se esconder uma complexidade cujos olhos humanos desconhecem e que revelam um grandioso talento : a família a qual pertence a priprioca, Ciperaceae, representa um estado evoluído de um antigo ramo das angiospermas (monocotiledôneas) ; essas plantas, assim como as plantas da família Poaceae (a qual pertence o vetiver), renunciaram as aparências para se tornarem plantas nutridoras.
Como o jovem guerreiro da lenda amazônica, que cansado de ser perseguido por sua beleza, renunciou a sua aparência para se tornar apenas essência !
Dentre os efeitos emocionais e energéticos da priprioca, segundo a visão da medicina ayurvédica, podemos destacar :
Devido à presença de cetona (mustakone 9,8 a 14,5%) : os óleos essenciais contendo cetonas abrem as portas do subconsciente, ajudam a superar feridas psíquicas e a cicatrizar os corpos sutis. Desenvolvem a intuição.
Devido a presença do sesquiterpeno óxido de cariofileno ( 4,6 a 10,8%) : os óleos essenciais que contém sesquiterpenos já eram utilizados na antiguidade com fins espirituais por favorecerem a visão holística e ajudarem a perceber e a compreender mundos sutis e invisíveis. Os sesquiterpenos promovem a fusão das energias cósmicas e telúricas e dissipam os bloqueios e a rigidez, acalmam, relaxam e regulam o sistema nervoso.
Composto químicos à parte, o cheiro da priprioca é para mim um dos cheiros mais deliciosos e intrigantes das espécies aromáticas brasileiras. Cheiro amadeirado que ampara, terra úmida que nutre e o toque floral picante que aquece o coração e desperta nossa amorosidade.
A priprioca e seu odor suave e intrigante traduzem com perfeição a energia e o misticismo da nossa terra.
Gabriela Nanni
Artigo originalmente publicado em meu perfil linkedin
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