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Foto do escritorGabriela de França Nanni

Fabulosa tonka

Atualizado: 19 de set.




A fava tonka ou cumaru, como é conhecido no Brasil, é um caso surpreendente de resiliência. Essa matéria-prima indispensável da perfumaria e da culinária é fruto de uma árvore selvagem encontrada no norte da Amazônia, entre as Guianas, o Brasil e a bacia do Orenoco, na Venezuela.


Mas para que essa matéria-prima continue a fazer parte da paleta dos perfumistas, são muitos os desafios climáticos e geopolíticos que ela deve enfrentar : rebelde, a árvore de fava tonka, Dipteryx odorata, pode simplesmente decidir não florescer de um ano para o outro; quando floresce, pode ainda decidir não frutificar; sua colheita depende das comunidades locais para as quais ela constitui uma atividade sazonal, selvagem, irregular e incerta, que lhes oferece uma renda extra irrisória; e, finalmente, devido à boa qualidade da sua madeira, a árvore de fava tonka é muito cobiçada na região.


Por isso e para além da preservação de um ingrediente histórico da perfumaria, é fundamental que a indústria de fragrâncias integre o aspecto ambiental e social na exploração e comércio de matérias-primas como o cumaru, assumindo um compromisso a longo prazo com a famílias coletoras envolvidas e fixando volumes e preços justos.


Atualmente, graças à perseverança dos diversos atores implicados e à evolução da mentalidade dos consumidores, essa responsabilidade social vem, pouco a pouco, se tornando realidade. A fava brasileira frutifica em estações diferentes das da Venezuela, uma forma de equilíbrio e de compensação entre suas duas origens, que tem possibilitado sua doce presença nas fragrâncias mundo afora.


Reunidas em grupos pequenos nas clareiras da floresta, bem conhecidas das comunidades locais, as árvores de fava tonka, após sua floração violeta, pode produzir até 7 mil frutas;  parecidas com um kiwi, as frutas do cumaru ficam penduradas por um galho muito fino, que são rompidos pelos periquitos ávidos pela sua polpa levemente madura. No coração da fruta, uma noz muito dura encerra uma amêndoa, a fava tonka. Marrom clara, lisa, com alguns centímetros de comprimento, a fava tonka possui um cheiro de praliné quando partido.

É durante a secagem que seu aroma evolui, desprendendo seu cheiro caramelizado característico, uma mescla de praliné e feno, que se deve à presença de cumarina. A cumarina, a quem devemos o nome de cumaru, foi identificada pela primeira vez em 1820 como sendo a molécula aromática de fava tonka e sintetizada em laboratório em 1868. A molécula de cumarina não é exclusiva da fava tonka, podendo também ser encontrada na lavanda, em algumas espécies de baunilha e ervas aromáticas.


A fava tonka, além de notas de praliné, caramelo e feno, possui facetas de pistache, de amêndoas torradas, de baunilha e de licor de amarena. Suas notas atalcadas conferem o toque aconchegante na fragrância, uma sensação de afago.


E por falar em afago, no livro "Romance of Perfume Lands" de 1881, F.S. Clifford relata um fato curioso em relação a fava tonka : quando cortada perpendicularmente em partes iguais na parte inferior da fava, onde se prende o galho, pode-se ver o desenho de uma mãozinha cujos dedos e o braço envolto por uma pulseira se distinguem perfeitamente.


Tradicionalmente, os indígenas utilizavam a fava tonka para aromatizar o tabaco, assim como por suas virtudes medicinais, como anticoagulante e tónico cardíaco. Atualmente, acredita-se que a cumarina, em fortes doses, causa lesões hepáticas e pulmonares. Em 1960 ela foi proibida nos Estados Unidos, colocando um termo no seu uso como aromatizador do tabaco. A partir daí, a fava tonka se tornou principalmente um ingrediente da indústria de fragrâncias, sujeita a uma rígida regulamentação no que diz respeito à sua dosagem.

Em 1882, o perfumista Paul Parquet, da casa de fragrâncias Houbigant, utilizou pela primeira vez a cumarina para a criação do perfume Fougère Royale,  perfume que revolucionou a perfumaria, dando origem a uma das suas famílias olfativas mais populares, a família fougère, uma combinação de lavanda, tonka, musgo de carvalho e bergamota.


Mas o dulçor suave e complexo da fava tonka confere também nuances interessantes para uma gama maior de fragrâncias além das cítricas. Composições barrocas como Chanel Coco, Caron pour Homme, Coco Noir, Vetiver Tonka e Guerlain Vetiver são impensáveis sem as notas opulentas da Tonka. No perfume Ormonde Jayne’s Tolu, o barroquismo do bálsamo de tolu combinado ao da tonka cria a impressão de couro vintage e amêndoas caramelizadas altamente sedutora. A fava tonka é um ingrediente obrigatório nas composições orientais, sublimando as notas de vetiver, patchouli e mirra.


Artigo originalmente publicado em minha conta Linkedin

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