
Como veremos, o storytelling não é a arte de contar histórias, mas sim a arte de vender histórias !
Embora o storyteller utilize o poder universal da narrativa e seus códigos recorrentes, ele não é pago para criar uma obra ficcional. Ao invés disso, ele é contratado para vender a marca e seus produtos, reunir um público em torno dessa marca e torná-la atemporal e coerente.
O poder da narrativa a serviço das marcas
Trocando em miúdos, o storyteller é pago para fazer com que o cliente tire seu cartão de crédito do bolso, assine um contrato, vote para um determinado candidato ou se aproxime de uma marca e a adote.
Enquanto o autor de um romance imagina uma história para em seguida criar personagens que emocionam, o storyteller se baseia nos valores da marca e das emoções que ela quer transmitir para em seguida elaborar uma história.
Lembrando que para construir uma história susceptível de gerar engajamento, o storyteller deve conhecer perfeitamente o público alvo, a famigerada persona (mas isso será assunto para um próximo post). Spoiler : as etiquetas que a maioria dos profissionais de marketing gostam de colar nas personas é inútil.
Como você pode perceber, ao se tornar um storyteller, nos tornamos um vendedor de sonhos, de valores e de emoções. Através do storytelling, é possível captar a atenção das pessoas e transformá-las em heróis da sua própria história.
Por exemplo, graças a um bom storytelling, uma marca não vende meros cosméticos, mas uma floresta preservada e uma comunidade indígena respeitada. Não se trata mais de vender um carro assim ou assado, mas de propor todo um estilo de vida ( clássico, esportivo ou ousado).
As histórias têm o poder de fazer com que produtos e marcas se tornem familiares, memoráveis, a tal ponto que a identificação torna os consumidores verdadeiros fanáticos, no sentido religioso do termo, de seus produtos e serviços.
Como isso é possível?
Veremos adiante os 3 papéis e as 3 forças da narrativa que nos permitem entender o porquê ela é tão eficaz. Trata-se de elementos chaves para estruturar um bom storytelling. Esses elementos são inclusive, desde os primórdios da humanidade, mais importantes que a própria forma estética da narrativa.
As três funções da narrativa
Busca de sentido
Precisamos saber de onde viemos, quem somos e para onde vamos. E é porque necessitamos de respostas a essas questões, que as histórias adquirem todo sentido. Basta pensar nos contos infantis e em como eles ajudam as crianças a superar suas dificuldades.
Quando encontramos respostas para nossas perguntas existenciais, reagimos com a adesão. É natural, porque respostas nos trazem segurança, nos dão a impressão de sermos compreendidos, como se fizéssemos parte de uma história comum.
Transmissão de saber, aprender com os mais velhos
Enquanto espécie, somos os únicos capazes de criar mitos, imaginar coisas e construir coletivamente. Contamos histórias antes de mais nada para transmitir um saber, para que as gerações futuras possam usufruir dos ensinamentos.
Com a escrita o poder das histórias se fortaleceu e se eternizou, possibilitando que elas fossem transmitidas em grande escala.
Identificação
Histórias são criadas para que, posteriormente, o público se identifique com os protagonistas e suas expectativas. Histórias também transmitem valores morais.
Esse processo de identificação nos permite criar empatia com os personagens. Só assim aderimos à narrativa e a sua mitologia.
Somos feitos de narrativas, necessitamos dela para nos emancipar e crescer, para dominar o outro e o mundo do qual fazemos parte.
No livro “O mundo da Escrita”, Martin Puchner nos lembra que “ o impulso de contar histórias, de estabelecer uma sequência de acontecimentos, de construir argumentos que nos levem a uma conclusão, é tão fundamental que é como se estivesse biologicamente determinado por nossa espécie”.
Porque a a narrativa nos influencia ? Como ela nos impele ao engajamento?
Neurones-espelho
As narrativas nos apresentam a vida de indivíduos diferentes, com seus dilemas e conquistas, dores e alegrias. A força do storytelling é justamente se valer dos comportamentos alheios para conduzir-nos muito além da identificação, exigindo de nós uma postura ativa. Assim, medo, alegria, desejo, coragem podem ser vividos por procuração, graças aos neurônios-espelho.
O consumidor não compra um produto pelo que ele é ou por suas qualidades, mas pelos sentimentos que o personagem da história experimenta. O consumidor prolonga de alguma forma a experiência do personagem.
Além disso, cabe lembrar que os neurônios-espelhos não funcionam sozinhos, mas em conjunto com a dopamina, uma das substâncias químicas mais viciantes, ligadas ao prazer. Ou seja, a mente racional do consumidor é nocauteada no primeiro round, porque ele cria uma expectativa de recompensa quase orgástica, na qual seu cérebro racional não tem chance.
Catarse
A catarse, termo que provém do grego “kátharsis”, foi um conceito cunhado por Aristoteles e designa o estado de libertação psíquica que o ser humano vivencia quando consegue superar algum trauma como medo, opressão ou outra perturbação psíquica. Trata-se da purificação através da arte.
Nada mais é do que a sensação de satisfação que uma obra de arte nos proporciona ao nos liberar de uma tensão, de uma dúvida. Identificação e neurônios-espelho juntos nos permitem experimentar sensações agradáveis como prazer ou desagradáveis como o medo, a angústia etc.
Buscamos satisfação a todo momento, quer seja ao assistir um filme de suspense ou ação ou ao se deparar com uma publicidade em que o personagem resolve um conflito, se torna uma herói, tem um insight.
A catarse proporciona satisfação para sua audiência e por isso ela é tão poderosa.
Impressões remanescentes
As impressões remanescentes são nada mais nada menos que resíduos emocionais que persistem em nós, aquele estado emocional em que nos encontramos após a experiência. Essas impressões só existem quando a narrativa é catártica. Basta pensar na euforia que nos invade quando uma heroína vence os desafios em um filme de ação ou ainda no sentimento de impotência frente a um documentário sobre as injustiças sociais.
Trata-se de elementos determinantes para que o engajamento ocorra. Nos apegamos a uma marca ou a uma causa, isso é fato. Os melhores contadores de história são aqueles que conseguem criar grandes tensões para em seguida nos oferecer uma solução redentora.
As impressões remanescentes permitem o prolongamento da experiência. Ou seja, uma propaganda ou filme que proporciona sensações fortes nos impele mais facilmente a querer repetir a dose, a prolongar a experiência.
Lembra que falei no inicio que um bom storytelling pode tornar o consumidor fanático, no sentido religioso do termo. Pois é, para explicar o porquê e terminar meu artigo em modo “insight” para os storytellers aqui presentes, deixo a palavra ao grande papa do neuromarketing em seu livro “A lógica do consumo” :
“O que descobri foi que, apesar de suas diferenças, quase todas as principais religiões têm dez pilares comuns subjacentes à sua fundação: uma sensação de pertencimento, uma visão clara, poder sobre os inimigos, apelo sensorial, narração de histórias, grandiosidade, evangelismo, símbolos, mistério e ritual. (..) E, exatamente como eu suspeitava, esses pilares têm muito em comum com as nossas marcas e produtos mais amados.” (p. 100)
Quem nunca teve, quis um ou teve um avô, pai, mãe que teve um fusquinha, que atire a primeira ped..ops a primeira flor.
Melhor flor do que pedra, dói menos. Digo isso pois não é por acaso que escolhi o nome Palavra Alquímica para designar meu posicionamento enquanto criadora de conteúdos. Acredito que devemos fazer o marketing que gostaríamos que fizessem para gente. E a palavra tem o poder de transformar, ela é alquímica.
Que possamos todos utilizar a força do storytelling para despertar emoções positivas, pois é disso que o mundo está carente.
Que possamos comunicar de maneira responsável, sempre com respeito ao consumidor. Vender bons produtos para as pessoas certas, sem provocar sentimento de culpa, pressão, medo ou vergonha.
Fontes:
Gillet, C. Le pouvoir du Storytelling: maitriser le récit d'une marque. Éditions Eyrolles, Paris. 2023
Cialdini, R. Influence et Manipulation : l'art de la persuasion. Paris: First- Gründ, 1993.
Lindstrom, Martin. A lógica do consumo : verdades e mentiras sobre por que compramos. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2009.
Puchner, M. El poder de las histórias o como han cautivado al ser humano de la ilíada a Harry PotTer. Barcelona : Crítica, 2019.
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